27 de novembro de 2010

Anestesia geral

Maristela Bairros – Jornalista *
Eu estava vendo, nesta última sexta-feira de novembro,  a entrevista coletiva capitaneada pelo governador do Rio de Janeiro e à medida que ele ia se pavoneando, incorporando o caboclo Num Saio du Palanque, o mesmo espírito obsessor de Lula, pensei: a única coisa boa de Sérgio Cabral é ser filho de Sérgio Cabral, o genuíno, o cara da cultura popular e da grande cultura. Pena que este filho não honre o nome que leva: é um debochado, carreirista desatinado que cometeu a pulha de dizer, durante a entrevista, que vivia um momento de alegria. Alegria!
Cabral, o filho, na mesma entrevista, foi asquerosamente subserviente a Nelson Jobim, outro reconhecido pavão que se mostrou constrangido diante da babação de ovo com que foi brindado. O mesmo sujeito que sumiu por dias enquanto Angra dos Reis desabava sob a chuva, chegou a classificar a data de “dia histórico” ao saudar as Forças Armadas. Incrível a memória deste senhor – esqueceu que já houve militares nos morros, fazendo o serviço que o Estado não faz, e que tudo continuou como antes, ou pior. Esqueceu, mesmo?
Não deixou, porém, de repetir o mantra do “nunca antes neste país” e afirmar, sem ficar vermelho, que dormem em paz todos os cariocas das favelas em que foram instaladas as Unidades Pacificadoras. Mágica pura!
O filho do Sérgio Cabral decente falou 90 por cento do tempo destinado à entrevista e os colegas das mídias presentes à encenação pareceram pouco se importar com o que estavam ouvindo e vendo. Talvez até tenham razão em ter esta atitude – qual a importância de uma coletiva que nada esclarece?
Muito mais esclarecedoras foram as imagens que a Globo deixou no ar, na quinta-feira, exibindo a romaria de criminosos morro acima, parecendo baratas que correm em todas as direções quando se tira a tampa de um esgoto podre.  Sobre esta “fuga” dos bandidos de uma favela para outra, o Secretário da Segurança Pública José Beltrame, que sempre me pareceu confiável, cometeu sua boutade ao dizer, serenamente, que todos eles seriam alcançados pela lei. E não houve sequer um questionamento dos jornalistas presentes. Nada.
Não sei o que é pior – o triste espetáculo liderado por Cabral ou a paralisia ou quase intimidação dos jornalistas. E isso tem sido o comum na tal cobertura da imprensa: perplexidade, até mesmo susto, perguntas desconexas, comentários adolescentes, a sucessiva exibição de entrevistados patéticos como um rotundo e bigodudo sujeito que vi na Globonews e que lembrou o episódio de Canudos (!!!)  ao prevenir que é preciso cuidado para não cometer injustiça contra a bandidagem.
É o que vem se repetindo ao longo das horas que as mídias eletrônicas estão levando ao ar sobre as cenas que uns chamam de guerra, outros de operação de retomada de território, seja lá o que isso for. Pouca informação, a pauta sendo feita em cima do que surge em vez de ser pensada, pesada e valorizada, o mesmo desfile de entrevistados acadêmicos cheios de títulos com as mais estapafúrdias idéias, despejando asneiras que jornalista algum contrapõe, esse é o jornalismo que se vê nesta hora.
Não vi um repórter ou “analista” que fosse, na TV, no jornal, nas redes sociais e nos sites, questionando a razão de a bandidagem carioca ter ficado tão bem comportada antes das eleições e só ter estourado agora. Ninguém se deu o trabalho de ao menos pensar alto sobre os acordos que hipócrita e publicamente se ignoram entre o dito crime organizado e algumas autoridades. É mais fácil aceitar que foi uma “reação às UPPs”, quer dizer, a versão oficial.
E, como jornalismo não tem memória mesmo, nada se falou, até agora, sobre a ironia de o atual governo federal, que abriga gente que roubou, seqüestrou, feriu e até matou por ideologia – jurando que era pela liberdade – hoje estar pedindo penico justamente para o maior alvo de se ódio: as Forças Armadas. Sérgio Cabral, o pai, aquele que vale a pena, deve ter pensado nisso. Mas o filho é governador aliado deste governo. Então…

Um comentário:

ninguém disse...

Obrigada por publicar meu texto. Continuamos batalhando neste terceiro turno ético. abraços
maristela