Entre a calma de um imenso matagal e a barulhenta BR-465, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, um punhado de 15 casas de tijolos à mostra e fiações expostas tenta ser lembrado pelo poder público. Encostados a pouco mais de um metro da estrada, num lugar em que rede de água, esgoto ou mesmo coleta de lixo só existem nos sonhos, os moradores fizeram há um mês uma tentativa a fim de buscar visibilidade para os próprios problemas: a favela, antes sem nome, ganhou o apelido e a placa "Comunidade Dilma Rusself", assim com direito à adaptação do sobrenome búlgaro da presidente Rousseff.
Ali, água e energia chegam graças a ligações clandestinas. Os fios desencapados fizeram uma vítima, que foi eletrocutada durante uma chuva de janeiro. O esgoto corre a céu aberto, cada casa com sua fossa. Bem próximo, alguns levantam suas pequenas plantações de aipim, acerola, pepino ou qualquer outra coisa que puder brotar daquela terra. O lixo é queimado ou jogado num rio relativamente próximo. Não há residências com escrituras, comprovante de residência e nem pessoas com trabalho de carteira assinada. A favela também não consta no cadastro de comunidades da prefeitura.
Vivemos abandonados
- Vivemos abandonados - diz Débora Moraes, que, aos 19 anos, traz nos braços um de seus quatro filhos - o mais velho tem três anos e a mais nova, quatro meses.
A mãe de Débora, a senhora que morreu eletrocutada, foi uma das primeiras moradoras a construir uma casa no terreno que, na verdade, pertence ao Dnit. "Isso tem mais de 17 anos", garantem os moradores. Mas, nesse tempo, uma promotora de Justiça apareceu e derrubou as casas. Os moradores voltaram a construí-las, desta vez, mais perto da rodovia. A julgar pelos tijolos e areia espalhados por lá, tudo indica que a favela vai ganhar mais habitantes em breve.
Na comunidade da Dilma, como seus residentes também costumam se referir ao local, boa parte das pessoas conta com o programa Bolsa Família. Mas, como não têm comprovante de residência, eles pedem a amigos do centro de Campo Grande alguma conta para fazer o cadastro.
- É muito difícil não ter um endereço. Ninguém dá trabalho a alguém que não comprova onde mora. Você vai num hospital e não pode ser atendido. É obrigado a pedir a conta de alguém - conta Benjamin Gonzaga, de 31 anos, que vive dos bicos que encontra como ajudante de obras.
É muito difícil não ter um endereço
Pai de duas filhas - a menor, de três meses, sequer foi registrada -, Benjamin diz que a renda da família tem o reforço dos R$ 102 do Bolsa Família. E só consegue receber o dinheiro porque pega a quantia na casa lotérica. Assim como a maioria dos residentes do local, ele consegue por mês até um salário mínimo. Mas tudo depende de uma operação matemática que envolve a BR-465. Isso porque a renda das famílias da comunidade é diretamente proporcional ao nível dos congestionamentos na rodovia. Mais carro parado no trânsito é igual a motoristas comprando bebidas e biscoitos, o que multiplica o orçamento familiar.
- No fim de semana, a gente não ganha nada. Não tem engarrafamento - conta Maria da Paixão Siqueira, de 23 anos.
Talvez por isso não haja data mais indicada para que os moradores, a maioria evangélicos, se reúnam na casa de oração, a primeira construção que é avistada ao chegar na favela.
reassentados
Entre uma e outra reclamação, os habitantes da comunidade emendam um "ninguém lembra da gente aqui". A principal reivindicação é poder receber energia elétrica e água, para ter pelo menos um comprovante de residência. "Mas nada muito caro, para que a gente possa pagar", já adverte um dos moradores.
Como a comunidade está localizada num terreno invadido e, portanto sem casas reconhecidas pela prefeitura, as concessionárias não forneceriam os serviços. Procurada pelo GLOBO, a Secretaria Municipal de Habitação foi ao local:
"A Secretaria Municipal de Habitação (SMH) informa que foi ao local e constatou que é uma ocupação precária, situada numa área pública e em faixa de domínio, nas margens da antiga Rio-São Paulo, considerada portanto uma área imprópria. A Secretaria Municipal de Habitação vai entrar em contato com estas famílias para reassentar através do Programa Minha Casa, Minha Vida."
A Secretaria Estadual de Habitação informou que, diante da não atuação do município, só poderia fazer algo na comunidade se fosse procurada, quer seja por uma representação comunitária ou um parlamentar.
O Dnit disse que na área onde está localizada a favela é proibida a construção de casas, porque serve, basicamente, para garantir a segurança e evitar acidentes. Foi feito um levantamento de todas as invasões ao longo da BR-465 para a elaboração de um cadastro, que foi encaminhado para o setor de operações do Dnit, com o objetivo de proporcionar remover as casas. No momento, esse processo está em análise e posteriormente deverá ser feita a retirada das famílias.
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/06/20/dilma-vira-nome-de-favela-que-nao-tem-redes-de-esgoto-agua-energia-coleta-de-lixo-924723231.asp
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