'Os segredos da Bistecca Alla Fiorentina.' *
Hoje vamos falar de um clássico da cozinha italiana,
a Bistecca Alla Fiorentina, que é um dos mais conhecidos
e apreciados no mundo.
A história do prato é tão antiga quanto a cidade que lhe batizou. Florença foi a casa de uma das famílias mais ricas e influentes da Itália, os Médici, autoridades financeiras, artísticas, políticas e religiosas por mais de 300 anos. Tradicionalmente, a festa de São Lourenço é comemorada no dia 10 de agosto e a família celebrava com uma grande fogueira, onde vários quilos de carne eram assados e distribuídos para a população. Viajantes ingleses que apreciavam a carne nessa festa a pediam como “beaf-steak”, daí o nome italianizado de bisteca.
O corte de carne vem do T-Bone, um osso em formato de “T” com carne dos dois lados, sendo que o lado maior é de contra-filé e o lado menor é filé mignon. Um detalhe importante é que para a tradicional bisteca é preciso analisar a altura da peça, que deve ter cerca de 8 centímetros. O açougueiro mais famoso da Itália, Dario Cecchini, defende também a grossura da carne, que precisa se manter de pé sozinha.
Veja um vídeo do Dario fazendo uma bisteca, clique aqu: < http://www.youtube.com/watch?v=pYDJ6LfZ5Gw&feature=related >
Todo esse cuidado também é tomado na hora do preparo: carvão preferencialmente de carvalho ou oliveira, para perfumar a carne; brasas bem quentes, sem chamas; e apenas sal como tempero, mas só depois de pronta. O segredo do prato é manter a carne praticamente crua por dentro e com uma crosta dourada por fora. É assim que se faz a tradicional bisteca nos restaurantes italianos!
Officina della Bistecca
Dario Cecchini é um dos mais famosos açougueiros da Itália, e está sempre viajando pelo mundo como representante oficial da carne Toscana e seu maior expoente: a bisteca Fiorentina. Dario herdou a Antica Macceleria Cecchini da família, assim como o gosto por pesquisar e obter a melhor carne possível não só para o famoso corte, que hoje vem de pastos espanhóis, mas como forma de honrar cada pedaço das vacas bem criadas especialmente ao gosto da casa.
Localizada na pequenina Panzano in Chianti, cidadela que fica no topo de uma montanha ao norte da Toscana e não conta com muito mais do que duas dúzias de ruas, o açougue atrai um séquito de curiosos atrás da carne bem cuidada de Cecchini. O charmoso açougue com paredes de azulejo brancas traz detalhes carnívoro-artísticos, como azulejaria que homenageia a estrela de casa…
… e uma emblemática vaca de madeira e metal que ocupa uma das paredes principais da loja.
Logo abaixo da instalação, pães, salame e um creme de lardo que simula uma manteiga, só que feita com gordura cremosa de porco, aguarda os comensais, que rapidamente se aglomeram no pequeno espaço.
Enquanto você belisca, começa a se perguntar onde afinal vão servir o jantar, feito somente sob reserva e com um menu fixo, que inclui comida e quanto vinho da casa puder beber por 50 euros. Entre uma explicação da atenciosa equipe e outra, de repente uma porta falsa se abre entre os azulejos, dando passagem a uma escada e ao andar de cima, onde um moderno salão da Officina della Bisteca já está pronto para receber os comensais.
Acima do jogo americano que explica os cortes da vaca vem o cardápio fixo da casa, quase que exclusivamente dedicado à carne. Garrafas de vinho e vegetais da horta ornam a mesa durante todo o jantar.
Os cortes in natura ficam expostos para as milhares de fotos, a frente de uma grelha sobre carvão já em brasa, aguardando o início dos trabalhos por parte do maestro della griglia Enrico.
Antes de começar, é preciso avisar: o amor à carne faz com que ela seja servida, em todos os cursos, com cozimento mínimo ou mesmo crua, como é o caso do chianti crudo, o tartar da casa servido com pouquíssimo tempero – destaque para o limão – de forma a deixar a estrela brilhar em sabor.
Enquanto isso, as carnes já estão na grelha, ganhando lentamente os odores da brasa, e um calor tímido para aquecer o seu interior.
Antes de chegar aos cortes inteiros, ainda ganhamos uma espécie de kafta, também com pouquíssimo tempero, exterior grelhado e interior rosado, desfeita em pedaços generosos para comer com pão e profumi del chianti, um sal com ervas secas que é receita da casa.
Para dar uma pausa, ganhamos feijões brancos toscanos cozidos com bastante azeite e louro.
Antes mesmo de ver, já pude sentir Dario subindo as escadas que antes ocupamos, retirando um longo avental plástico e preenchendo o salão com sua presença generosa. Ele chega para apresentar a estrela da noite e, só vendo para entender toda a personalidade que fez a fama do açougueiro.
Com precisão de mestre, a bisteca fiorentina revela seu interior rosado e generoso, em nacos servidos imediatamente aos comensais, atordoados pela proximidade com o insumo tão próximo do natural.
E a bisteca era isso aí, feita do jeito que eu gosto, mas que obrigou muita gente a pedir para assar mais um pouquinho. Eles fazem, mas o objetivo é que você pelo menos experimente a textura da carne em sua forma mais pura, macia e sedosa.
No fim, e a bisteca não é o único corte servido, cada comensal tem direito a uma batata assada. Depois de deixar as carnes brilharem, esse pouquinho de carboidrato ajuda a absorver a riqueza das proteínas consumidas.
Vinho vem, vinho vai e, depois de quase 4 horas, é chegada a hora da aguardente também local, que avisa que a experiência está quase no fim. Com destreza, o mestre de cerimônias e personagem épico Dante empilha os copinhos e os enche como cachoeira, propondo um brinde coletivo que se estende entre os comensais já bastante soltos e relaxados.
Para quem tinha que dirigir para o hotel, o maravilhoso bolo de azeite de oliva procura devolver a dignidade, com uma leve crostinha de açúcar por cima. Devorei o prato quase todo, já pensando na quase hora de estrada sinuosa que teríamos que encarar para voltar ao nosso hotel, próximo à Siena.
No final, a experiência na terra de Dario Cecchini se mostra tanto um show quanto um jantar. A proposta pirotécnica não rouba do fato de que um jantar ali é uma das melhores maneiras de saborear carne em estado de arte.
* Officina della Bistecca - Panzano in Chianti . Toscana . Itália
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